sábado, 1 de abril de 2017

Figurante

O terceiro sinal toca e as cortinas se abrem.
O choro da criança interrompe os gritos angustiados da mãe que espera aflita pelo fim do sofrimento. Uma nova vida chegará às suas mãos e começará, então, um novo espetáculo. Um caminho repleto de segredos e sentimentos desordenados.
A criança é rodeada de conselhos e valores impostos. Desde cedo lhe é ensinado o certo e o errado. Seus olhos inquietos miram naqueles que falam sobre seu futuro, como se fosse uma receita de bolo: tudo milimetricamente planejado. Destino de pessoas de sucesso e reconhecimento: “o único caminho”, repetem incansavelmente.
A atriz percebe no seu íntimo que esse não é seu desejo real.
O script não mostra seu “par romântico” e o Diretor não se manifesta quando as dúvidas não cansam de perturbá-la. O desejo de ter alguém por um período da vida é inerente a todos, e não seria diferente com ela.
Em seus momentos de descanso, atrás das coxias, ela sente que não haverá esse alguém ao seu lado. Também não foi escalada para grandes papéis e deve se conformar com seu destino: coadjuvante de si mesma.
Durante a peça, por alguns instantes, ela diferencia quem usa máscara e quem não consegue se esconder de si mesmo. Uma forma infértil de passar o tempo e tentar minimizar as próprias mazelas.
Sua mocidade apresenta poucas possibilidades.
Algumas cenas são ensaiadas, mas aqueles que poderiam segurar suas mãos e ajudar a seguir em frente deixam-na de lado.
“Talvez eu não seja boa na arte da interpretação – da vida”, pensa. Insiste outras vezes e não entende o motivo de ter sido “jogada” ali.
Poucos colegas se propõem a interagir com a “criatura solitária”. Sim, assim mesmo: uma criatura solitária.
Em meio ao cotidiano, ela percebe que está fadada à solidão.
Os pés no chão e as realidades possíveis invadem seu ser e permanecem como seus companheiros.
Às vezes, é melhor ficar no camarim, decorando as novas cenas, fingindo não conhecer sua presença ignorável.
Ela não entende por que o Diretor insiste em mantê-la no espetáculo, se sua atuação é totalmente dispensável.
O coração, cansado de relacionamentos fracassados, não consegue enganar aquele ser humano que o carrega. Ela sente-se enganada e, ao mesmo tempo, resignada. “Faz parte do processo”, tenta se convencer.
E segue com seu papel simples e imutável.
A procura por alguém que possa ajuda-la a sanar a carência humana existente em um só personagem não permite culpa-Lo, pois não há justificativas para sua falta de bons atributos.
Não é bela, não é inteligente e um imenso vazio invade suas entranhas. Aos poucos, mas constante.
Vai permanecendo pelos cantos sempre que a falta de qualidades insiste em tirá-la do palco em que está inserida (por puro engano, tem certeza!).
Uma sensação de desconforto emocional toma conta, mais uma vez. Sabe que não deveria estar ali e não sente que possa, um dia, ser seu lugar.
Vergonhosamente, vai ao camarim para tentar se camuflar, pois entende que é preciso agir, mesmo sendo parte do elenco mudo.
Sabe que tem que continuar, apesar do papel de figurante apagada diante de tantas outras atuações explosivas, convincentes e cheias de vitalidade.
Não se encaixa naquele palco. Mas os atos prosseguem...
Mais uma vez pergunta ao Diretor se não há mudanças em sua trajetória. Chega a esbravejar com Ele! Mas a Voz nada diz e ela segue muda em sua história como figurante – destino certo daqueles que não possuem o carisma e o poder de sedução necessários para atingir o sucesso particular.
Não sabe como será o último ato. Apesar das frustrações, não tem pressa de saber. A luta por melhores dias continua.
Sabe que não merece esse papel; por que mereceria outro mais interessante?
Nesse momento esquece as poucas falas. Mas não para e não há tempo (ou possibilidades) para voltar ao início. A correção faz-se necessária a partir do erro executado. Pede desculpas ao público, que olha com indiferença, e segue em frente.
Continua a cena: um monólogo entediante.
Poucos têm paciência para assisti-lo e quem se atreve a fazê-lo, dorme nas cadeiras acolchoadas da vida.
Parou de questionar o Diretor.
No fundo, tem a certeza que as luzes continuam acesas e as cortinas insistem em ficar levantadas. 
Infelizmente, o show tem que continuar...