terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Em tempo, há tempo... - Crepúsculo

O texto abaixo é de 2009. 
Parte das minhas reflexões d'outra hora permanece.
Muitas outras surgiram, mas decidi não colocá-las, já que tornaria a escrita mais densa. Fiz apenas pequenas correções. 
Enjoy.

"Logo que o Sol se põe, é possível notar os passos apressados de criaturas que tentam continuar suas histórias. São histórias interessantes, mas poucos se propõem a parar para enxergá-las.
O vai-e-vem na estação do metrô não me deixa fixar a atenção em alguém em especial, pois tudo passa muito rápido.
Tento observar nos olhos voltados ao chão (ou mirados em um futuro incerto) suas identidades e como suas vidas escorrem pelos dedos sem que percebam.
Somos seres egoístas. O corre-corre de nossos dias quase nos faz atropelar as mãos que se erguem à procura de alguma ajuda. A ajuda material muitas vezes é uma desculpa para que se dirijam a nós e nos peçam o que a materialidade não permite: a atenção, o carinho, o sorriso...
Não nego, sou uma das pessoas que baixam a cabeça e seguem em frente, como se não ouvissem os lamentos dos excluídos. Mas ouço murmúrios e os carrego dentro do peito por vários momentos, com a sensação de inutilidade e covardia.
O medo e a indiferença nos rodeiam constantemente. Há também o vazio, que consigo sentir mesmo dentro da condução repleta de vidas esquecidas e encontradas.
Se fôssemos comparar os vagões com nossas vidas, perceberíamos o quanto somos inconstantes e como nos deixamos levar por sentimentos vazios e confusos.
Dentro desse metrô lotado, é possível notar o cansaço e a incredibilidade com os resultados das lutas. Como é claro perceber a vida perdida no rosto daquele senhor que espera que alguém se compadeça e ceda o lugar e, no descanso provisório, possa então chorar os sonhos não realizados...
Nesse ambiente, percebemos o quanto todos nós estamos prontos para criticar as ações do outro. São receitas milagrosas que possuímos “na ponta da língua” para aconselhar como determinadas situações deveriam ser realizadas ou como concretizar procedimentos considerados incompletos.
A cada parada, uns entram, outros saem. Vejo a esperança refletida no rosto da grávida que carrega parte de nosso futuro e contemplo o sorriso da criança que já possui em sua breve caminhada, marcas de um mundo confuso e devastador.
A escrita de nossas histórias está sendo feita desta maneira. Por vezes, estamos com tantos sentimentos aglomerados que nem percebemos o quanto estamos distraídos a ponto de permitirmos que os maus pensamentos, a desesperança e o sonho contido (e nunca realizado) fiquem ao nosso lado e forcem que as boas ações desembarquem na próxima estação.
Há momentos em que o solavanco do trem quase nos faz cair; noutros, nem sabemos como nos segurar. E, no susto da possibilidade da queda, ao tentarmos colocar a mão no ombro dos que estão mais próximos, é possível que nos olhem com desconfiança, pois estaríamos invadindo a individualidade de cada um.
As realidades se condensam por alguns instantes. Todos somos iguais, todos precisamos daquele espaço e nos respeitar para que possamos seguir em frente.
Poucos percebem o quanto o caminho pode ser interessante, mais até que o ponto de chegada. Há novas possibilidades em todos os instantes, porém pouca disponibilidade para vislumbra-las.
Uma criança chora, uma senhora reclama. São nossas angústias, nossos lamentos e nossa incapacidade de lidar com o agora. Todo aquele aperto nos sufoca. Perdemos a paciência, tornamo-nos intolerantes com a realidade que um dia passará.
Chega o momento da esperada “estação” de chegada. “Graças a Deus, vou pra casa descansar!” diz uma mulher atrás de mim. Será que Deus realmente deseja o que ela deseja? Será que não foram disponibilizadas àquela mulher infinitas possibilidades de evolução no caminho que a levava ao tão esperado fim? Será que o caminho, os passos, o percurso deve ser ignorado? Não sei. O que sei é que também dou continuidade à minha história. E, mesmo sem perceber, todos aqueles que estavam no meu caminho, agora fazem parte dela. Eu os carrego comigo nos próximos passos que eu seguir..."

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4 comentários:

  1. Querida tudo que escreveu tem o dom de nos levar a embarcar neste vagão. Parecemos invisíveis ao próximo, muitas vezes já senti isso. Ao contrario do que você disse, eu não consigo passar por alguém e não tentar ajudar de alguma forma. Difícil as vezes saber o que cada um sente ou vive. O mundo está de uma forma que quando você é amável com alguém na rua, já é suspeito , que pena que hoje em dia esta atitude é necessária. Muito real e verdadeiro tudo que escreveu!

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    1. Não nego que, ainda, tenho muito o que evoluir nesse ponto...
      A vontade de ajudar, de abraçar ou apenas de estar perto me atinge em cheio! Mas o medo da rejeição do próximo me faz recuar. Fico presa nos meus pensamentos e o peso do "seguir em frente sem olhar para os lados" dura um bom tempo aqui no peito. Aquela necessidade de fazer a diferença na vida do outro, de maneira positiva.
      Já se passaram 7 anos, desde que escrevi o texto acima, e ainda percebo o quão crua sou e o quanto preciso avançar...
      São passos de "formiga", como dizem. Lentos. Mas não deixo de andar...

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  2. Parabéns pelo texto tão profundo, aliás tudo o qto vc escreve nos faz vivenciar, entramos no descrito e te digo eu vi vc e eu no metrô, mas eu sou aquela intrometida que começa uma conversa para aliviar a tensão da viagem até a esperada estação, aquela que joga conversa fora de algum tema que esteja em destaque na imprensa. Quanto aos que pedem,sem a pretensão de julgar ou me mostrar santa, tento dispor nem que seja uma moeda de pequeno valor para aquele que me estende a mão, se nada tiver a oferecer, digo: perdoe-me, olhando em seu rosto,talvez eu queira me redimir da culpa de não fazer nada de concreto para melhorar a vida dos excluídos nessa sociedade tão cruel e capitalista.

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    1. Eu ainda tenho muito o que evoluir... ainda fico presa aos medos sociais e, mesmo sem querer, ainda fico "analisando" a precisão desta ou daquela pessoa. Não é certo, eu sei! Mas ainda é mais forte que eu.
      Depois de cada "não ocorrido", fico com todo o peso na consciência por não ter dado a mão, já que nunca sei como agir. Talvez, por esse e por tantos outros vacilos, acabo me sentido a pior pessoa do mundo.
      Tenho muito o que crescer e evoluir para me tornar uma pessoa boa. Ainda sou muito cruel comigo e com os outros. Culpa minha? Sim! Minha percepção do mundo é equivocada qdo, muitas vezes, coloco todos no mesmo "saco" da ingratidão ou da exploração...
      Estou lutando contra tais sentimentos. Mas é complicado... É uma luta diária...
      Obrigada pelo comentário tão cheio de verdades e carinhos, Telina!

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